Faz hoje um ano que parti para uma das viagens da minha vida. À janela do avião, vejo o meu sonho ganhar forma depois de horas de mar sem fim. Um pedaço de terra vulcânica dá as boas vindas a quem chega com o seu areal mais dourado: a praia de São Pedro. Uma jura de luz e de vida que antecede a terra desolada, seca e gretada que rasga todo o seu corpo, até ao coração pulsante do Mindelo. Cidade de sorrisos abertos, conversas em cada esquina e um borbulhar de vida que se ouve desde da alvorada até ao último trinado de uma morna tardia.
Nha sonho, nôs segredo
Em tempos de reclusão não há nada como aproveitar para olhar para dentro do nosso mundo e sonhar com aquele que nos aguarda lá fora. O ritmo frenético que nos empurrava de uma atividade para outra, muitas vezes contrariados, de repente parou. Como num jogo do macaquinho do chinês, apanhou os audazes desprevenidos e bloqueou os temerosos nos seus propósitos.
Amor em tempos de contágio
Nesta carruagem de metro solitária esqueço que horas são. Não consigo ver a luz e não sinto o ritmo dos outros, ausentes atrás dos seus muros. Caminho por uma cidade vazia que me confunde como uma manhã de ressaca, estremunhada e demasiado cedo.
Juras de São Pedro
Depois de horas de mar sem costa, o Atlântico revela os contornos de duas ilhas terra que se erguem despidas. Ao aproximar-se, o mar clareia quente e reflete a areia dourada de um recanto abençoado.
No crepúsculo dos sonhos
Caminhava nas ruas vazias do fim da noite e prenúncio de um novo dia. Através de uma janela ouve o trinado cansado de uma guitarra que lhe lembra o seu fado. Dentro da porta um último dedilhar rouco, uma garganta seca de fumo, uma voz pastosa a pedir o último grogue.
Ponto Seguro
No teatro, ensinaram-me a fixar o olhar num ponto atrás da plateia, para dar a ideia que olho para todos ao mesmo tempo. Concentrada, altiva e presente. No pilates disseram-me que, para me poder equilibrar, devia escolher um ponto para fixar o meu olhar. Estável, segura e harmoniosa. Na vida, disseram-me para ter objetivos definidos para usar como Norte para as minhas ações. Determinada, focada e alinhada.
Impressões na areia
O tempo goteja sedento de outro, nesta terra árida, vulcânica e quente que olha para os céus com lábios gretados. O tempo, com a sua ironia, passa como água numa torneira defeituosa.
Entardecer antes da hora
Os últimos raios de sol quentes lembram os dias de verão que julgavas infinitos.
Como quando eras pequeno e fixavas os teus dedos dos pés na ponta da prancha. Diziam-te que tinhas de saltar mas tu não conseguias. Milímetro a milímetro, esticavas os dedos para te convenceres a avançar. As pessoas desapareciam à tua volta e os gritos confundiam-se com o chapinhar dos outros miúdos que se atiravam nos voos mais improváveis.
No sítio certo à hora errada
Encontraram-se no sítio errado à hora errada. Cruzaram-se sem se verem, falaram sem se aperceberem, conheceram-se sem notar.
Corriam paralelos e em sentidos opostos, no sítio errado à hora errada. Eu via-os todos os dias, sem se olharem, sem se escutarem, com o olhar no finito que era mais um dia, mais uma semana e mais um mês.
Big City Love III
Cada hora em que não te escrevo é uma vitória. A cada meu piscar de olhos e uma nova hora no relógio suspiro de alívio por não te ter escrito. A cada hora eterna que se divide em conjuntos de 15 minutos quando estou ocupada e de 5 em 5 quando o maldito ecrã do telemóvel fica especado a olhar para mim.
Ao suceder de horas que compõem estes dias nasce uma nova batalha na guerra comigo mesma. Blindo o meu coração, corro as persianas do meu cérebro, deixo-os desorientados num espaço onde não se vêem, não se tocam, não se ouvem.